11 janeiro 2012

Beira - o interior de uma pátria pobre

xx
Neste deserto houve gente. E riqueza.
Neste deserto nasceu água. Quase toda a água do país que foi sempre longínquo. A água que fez o longe ser menos longe - para o país longínquo vir matar a sede. E voltar a ser longínquo.
Neste deserto houve gente. Quase toda a gente que construíu o país longínquo. A gente que o país longínquo veio buscar - para construir mais longínquo o país sempre longínquo.
Houve riqueza. Quase toda a riqueza que o país longínquo veio buscar. Na água e no vento e na gente.
O país longínquo somou para si a água. Multiplicou para si a riqueza. Nunca dividiu - e o resto deu gente.
Neste deserto ficou gente. O resto da divisão que o país longínquo nunca fez.

O fotógrafo nasceu em pátria pobre - e o professor emigrou para o desterro da capital. Os olhos do fotógrafo e o coração do professor quase morreram, na árida bruma do que a sós sentiram, no postiço frio que nem viram, mas nas saudades da riqueza da sua pátria pobre. E as mãos de coração vazio e olhos cheios puseram os pés de regresso. Para o mestre desemigrar e o artista voltar a nascer. Para prestar tributo ao solo que deu todas as somas e todas as multiplicações. Para ser prova real da subtracção que deu erro - e encontrar o resto zero da divisão que nunca houve. Para ensinar, pela escrita da sua película, que nesta terra de deserto está a pátria da riqueza. E para que conste. Que nesta terra há gente.
Foto de António Supico